A soberania estatal e os processos de integração regional.
Autor: Francisco Igor Fonseca de Andrade
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo básico a análise do fenômeno da integração internacional sob o enfoque da soberania. Tal enfoque nasce da necessidade de definir os modelos de integração em face das discussões sobre o resguardo ou enfraquecimento dos Estados sob o prisma da manutenção de seus poderes soberanos.
No exame faz-se necessária a abordagem das correntes justificadoras da integração e do próprio Direito Internacional ante ao processo simbiótico de interdependência avançado em que se encontram algumas comunidades, mormente a União Europeia, mesmo que ainda não se possa afirmar a existência de um “protoestado”, é inegável a impossibilidade de conceituar os entes supraestatais levando-se em conta os conceitos clássicos de soberania, tendo em vista que
a Europa realizou, até agora, a mais ampla e bem-sucedida experiência de integração. A instituição do mercado comum e da união econômica e monetária, além do aparecimento da concessão da cidadania européia e da elaboração de complexo aparato institucional, espelham os avanços já obtidos. Sentimento de um destino comum a ser compartilhado e a convicção de que a Europa é uma individualidade histórica, com valores próprios que necessitam ser preservados, representam forças poderosas a motivar países para a consecução do empreendimento europeu. (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 421)
É inegável a influência da globalização – ou mundialização, como preferem alguns – na mudança do paradigma representado pela ordem estabelecida no Tratado de Westfália. Apesar pulverização de potestades que ainda prevalece no Direito Internacional[1]
A sociologia clássica se concentrou na análise da sociedade vista como um sistema limitado composto por relações que se desenrolam no interior das fronteiras nacionais. O advento da globalização fortaleceu os vínculos sociais transfronteiriços, o que reclama novas teorias que dêem conta do relacionamento complexo entre a dimensão local (circunstância de co-presença) e a integração através da distância (as conexões de presença e ausência). O mundo em que vivemos apresenta uma indiscutível singularidade que o distancia de todas as organizações sociais do passado definida, sobretudo, pela diminuição das restrições de espaço e tempo, efeito direto da revolução nas comunicações.(AMARAL JUNIOR, 2008, p.37)
Desta forma, abordaremos o fenômeno da integração sob a óptica dos termos dos tratados internacionais e a transferência de competências por meio destes aos órgãos supranacionais.
Outro enfoque tratará das crises econômicas e a repercussão dos problemas gerados pelos anseios internos pelo bom desempenho econômico que reflete na legitimidade das representações locais e supranacionais.
Acerca da supranacionalidade, tendo como base comparações com institutos do Direito Civil e do Direito Empresarial, tentaremos situar o leitor na conceituação e forma de atuação de uma entidade supraestatal, uma vez que os conceitos vigentes são de difícil visualização e entendimento imediato.
1. O DOGMA DA SOBERANIA.
Neste trabalho, por critério de objetividade, não aprofundaremos a dilação acerca das doutrinas clássicas da formação do Estado, nos deteremos de forma sucinta na existência deste para a ocorrência do conceito de soberania estatal e a sua contraposição aos processos de integração entre as nações.
Ressalte-se que o conceito de soberania nasce com o próprio surgimento do conceito de Estado, especificamente o Estado-Nação, pois segundo Francisco Resek (2008, p.224)
seu governo [...] não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece, em última análise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências, e só se põe de acordo com seus homólogos na construção da ordem internacional, e na fidelidade aos parâmetros dessa ordem, a partir da premissa de que aí vem m esforço horizontal e igualitário de coordenação no interesse coletivo. Atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra unidade as possui superiores.
A soberania, portanto, seria um atributo político do Estado que justificaria o próprio poder estatal, outrora personificado da figura do monarca, hoje “um fator de policiamento do Estado, nascido do povo, do exercício do poder político popular e não mais um atributo amorfo da configuração do Estado” (LEAL, 1998, p.85).
Ressalte-se que a soberania, como poder, emerge da ordenação jurídica positiva que regula o ente estatal. Esta ordenação é quem diz o que é soberania e o jurista é que vai dizer se os princípios configuradores da soberania na ordenação legislativa são compatíveis com os conceitos históricos que representam o elenco das conquistas e aspirações sociais, políticas e jurídicas da humanidade [...].(LEAL, 1998, p.34/35)
Entretanto, o conceito de soberania, tão importante na formação do estado nacional, passou a ser óbice aos interesses do mercado econômico, sendo uma das bandeiras do pensamento liberal a relativização e flexibilização do conceito de soberania. Pelo liberalismo e pela doutrina do Estado mínimo, este deveria intervir o mínimo possível nas relações econômicas, se restringindo às funções básicas existenciais do próprio Estado.
No entanto, as crises do modelo capitalista, culminando com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, revelou que o próprio mercado necessitava, por vezes, de proteção, regulamentação e ajuda do próprio “estado-soberano” para continuar operando.
Com o final da 2ª Guerra Mundial, e a necessidade de reconstrução das economias dos países arrasados pelo conflito, intensificou-se o processo de aglutinação e integração entre nações, que anteriormente ocorria basicamente por motivos de defesa mútua – acordos e alianças militares – passou a se dar por motivos essencialmente econômicos.
A dificuldade era estabelecer mecanismos supranacionais que regulassem a atividade estatal em diversos pontos de interesse comum entre as nações, mas tal finalidade voltava a esbarrar no conceito de soberania que, obrigatoriamente precisaria ser “relativizado” visando ao bem comum dos países envolvidos.
A base justificadora dessa pretensão aniquiladora daquele conceito consiste em apontar uma realidade distinta, imposta por novos modelos associativos de mútua interdependência estatal, os quais, para ganharem eficiência e prevalência na conjuntura globalizadora, buscam a todo transe remover e apagar e amortecer o conceito de soberania. (BONAVIDES, 2010, p. 35)
Essa interação estatal não é possível sem relações duradouras e compromissos formais a que os Estados se submetem na defesa de seus interesses e que são a base para o Direito Internacional Público, do qual o Direito da Integração é ramo.
Os tratados que formalizam tais relações cada vez mais expressam uma autêntica simbiose entre os pactuantes, fato que tem reflexos diretos e imediatos na soberania estatal.
2. SOBERANIA E TRATADOS INTERNACIONAIS.
Os tratados internacionais são fontes primárias do Direito Internacional, produto volitivo dos interesses dos Estados e estão diretamente ligados ao conceito de soberania, em seu estado pleno, sendo “produto do concurso de vontades manifestadas por Estados soberanos, o tratado celebra a mútua concordância sobre a via preferível para a regulação jurídica de um dado complexo fático.” (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 47)
A discussão que se trava tem como base a extensão das declarações de vontade constantes nos tratados que em maior ou menor grau atingem a soberania das nações.
Pelos conceitos clássicos de soberania desenvolvidos sob a influência direta dos preceitos westfalianos[2] seria obrigatória a existência de alguns fatores que comporiam e externariam o reconhecimento da soberania de um Estado:
a) a unicidade, pela qual não poderiam existir, no mesmo Estado, dois entes soberanos, duas representações de soberania com os mesmo poderes e atribuições;
b) a indivisibilidade, uma vez que a soberania não poderia ser repartida com outro Estado, característica que na prática decorre da própria unicidade, pois se é una, necessariamente é indivisível;
c) a inalienabilidade, visto que com a transferência ou perda da soberania, obrigatoriamente o Estado deixaria de existir;
d) a imprescritibilidade, característica decorrente da falta de limitação temporal, ou seja, a vontade soberana é permanente e tem aspirações perpétuas, somente interrompida ou extinta por fatores exógenos aos seus interesses; e, e) a primariedade, pois a soberania não se coadunaria com qualquer tipo de subordinação a outra ordem soberana.
Isto posto, fica patente que o conceito clássico eivado de rigidez não seria convenientemente aplicado aos tratados de integração políticoeconômicos, mas como justificar a existência de tais atos sem necessariamente reconhecer a perda da soberania de um Estado que, signatário de um pacto que inflija regras de submissão a um ente supranacional, tenha restringida sua potestade?
Para se responder esta pergunta faz-se necessário o reconhecimento, conforme dito anteriormente, de que os Estados se submetem aos tratados por vontade própria e, necessariamente, o igual reconhecimento de duas ordens vigentes, a ordem interna, compreendida pelo Direito interno de cada país, e uma ordem internacional, representada pelas relações interestatais.
2.1. Teorias voluntaristas
As teorias voluntaristas do Direito Internacional estabelecem que a sujeição dos Estados aos tratados internacionais se dá por vontade direta ou, no mínimo, por consentimento de um grupo de países, já que “os Estados se organizam horizontalmente, e dispõem-se a proceder de acordo com normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento. A criação de normas é, assim, obra direta de seus destinatários.” (REZEK, 2008, p. 1)
Através da teoria voluntarista da autolimitação, George Jellineck fundamenta que o Estado ao se submeter à ordem jurídica internacional impõe limites à sua soberania, mas o faz porque esta limitação é desejo seu, tão somente. Há uma sempre obrigatória convergência entre o direito interno e o internacional, externado por uma vontade expressa da qual advém sua sujeição. “A mesma soberania que justifica a escolha é a que sustenta sua perene subordinação. Afinal, se ela provocou tal desejo, modificá-lo seria o mesmo que violar a própria soberania” (PEREIRA, 2009, p.16). Haveria, portanto, um componente metafísico pelo qual o Estado obrigar-se-ia consigo próprio (SILVA, p.21)
Como uma forma de extensão da teoria da autolimitação Max Wenzel defende que os tratados internacionais seriam decorrência do próprio direito interno e a vontade nele contida, o Estado ao firmar um tratado por meio de seus governantes o faria por delegação do próprio direito interno[3].
Heinrich Triepel por sua vez defende que a sujeição às normas de Direito Internacional se dão, necessariamente, pela manifestação de uma vontade coletiva de nações expressa por um tratado. Mesmo sem reconhecer uma ordem externa mais poderosa e sancionadora, aceita a sujeição coletiva por questões éticas e de interesse mútuo. A teoria da vontade coletiva baseia-se na uniformidade das vontades nos signatários.
Tal pensamento é corroborado por Francisco Rezek (2008, p.01) quando afirma que “a vontade singular de um Estado soberano somente sucumbe para dar lugar ao primado de outras vontades reunidas quando ele mesmo Estado tenha, antes, abonado a adoção de semelhante regra”.
Ressalte-se que em todos os casos a plena soberania estatal é essencial, uma vez que
não é possível admitir essa doutrina quando não se vislumbra um panorama internacional de liberdade e soberania dos Estados; ou seja, a pedra de toque é um paradoxo, porquanto depende da liberdade, para restringi-la posteriormente.
O Estado se submete à ordem jurídica internacional porque quer. Antes de querer submeter-se, é necessário que o Estado seja profundamente soberano, para aceitar as limitações as limitações que lhe serão impostas como conseqüência de sua escolha.
Em síntese: Estado soberano possui maior autonomia de vontade. Manifestada sua vontade soberanamente, há a redução de sua soberania em função de normas de Direito Internacional Público às quais livremente aceitou subordinar-se.
3. SOBERANIA E O FENÔMENO DA INTEGRAÇÃO
Conforme ressaltado, o arcabouço teórico do modelo clássico do Direito Internacional que trata da soberania dos Estados, construído sob a óptica da paz de Westfália e vivente até meados do século passado, já não é suficiente para classificar as relações existentes entre os atores do Direito Internacional em virtude do aperfeiçoamento e maturação dos processos de integração regional.
Para que os processos de integração sejam perenes há obrigatoriamente a necessidade de criação de órgãos supranacionais que regulem as relações entre os Estados membros em áreas e matérias predeterminadas, inicialmente, relativas à política externa da comunidade de países com outros Estados não membros, passando paulatinamente a ter ingerência em políticas locais, visando à adequação aos fins pretendidos pela coletividade agregada.
É essa “intromissão” de um agente supranacional que causa celeuma quando se debate a manutenção do conceito de soberania.
Ora, para existência de soberania, nos contornos clássicos, não pode haver força externa superior à do próprio Estado em seus domínios, não reconhecendo este qualquer autoridade que limite os seus poderes; então como equacionar o dilema se, necessariamente, as nações têm que abrir mão de poderes inerentes ao Estado, pelas concepções clássicas.
Não se trataria de perda se soberania, conforme explicita Fernando Magalhães Furlan (2001, p. 108), pois apesar de possuir personalidade jurídica um grupo, comunidade ou associação de nações não possui soberania, pois dependerá, necessariamente, da vontade superior de seus membros, desta forma, não haveria perda ou alienação de parte da soberania nos processos de integração, mas tão somente uma delegação de poderes, tendo em vista que “a supranacionalidade estaria localizada entre dois períodos: o individualismo internacional e a federação de Estados. (MOTA DE CAMPOS, apud, RIBEIRO, 2010, p. 228-229).
Corroborando o pensamento, Dromi (1996, p.40) apresenta a integração não como uma restrição ao poder do soberano, mas como sua afirmação e extensão:
La integración regional no es incompatible con la soberanía nacional. [...] Las relaciones de derecho comunitario de la integración no niegan, ni limitan, ni excluyen la soberanía, sino que la ubican en un marco ampliado, donde se extende o prolonga el poder soberano del Estado en otras materias que no tenía, aunque ahora compatibilizado con el poder soberano de otro Estado miembro. En suma, la integración aumenta cualitativamente la soberanía de los Estados miembros.
Ou seja, a criação de Organismos Supranacionais de Integração, no caso, blocos econômicos reafirmam o poder soberano dos Estados componentes em relação a uma comunidade internacional.
A solução seria a opção pelo reconhecimento da possibilidade de haver um compartilhamento de parte da soberania estatal de cada um dos componentes da sociedade, comunidade ou união internacional a um ou vários entes supranacionais criado com a finalidade de unir os interesses politicoeconômicos comuns e, por via de consequência, gerenciar o compartilhamento mútuo destas frações de soberania.
Pela teoria do compartilhamento da soberania, não haveria cessão ou alienação desta, sequer parcialmente, haveria, em nosso entendimento, uma espécie de condomínio, no qual cada fração compartilhada forma um todo, que representaria os interesses do bloco.
Como toda espécie de condomínio a sua manutenção depende da vontade individual de cada condômino em permanecer unido aos demais em virtude da coisa, neste caso, a entidade comunitária, além da vontade coletiva na administração dos interesses comuns, uma vez que, na comparação, cada condômino teria uma fração ideal em igualdade de condições aos demais, haja vista não haver diferenças na importância das soberanias estatais.
Sobre a teoria do compartilhamento de soberanias Mariângela F. Ariosi (2004) salienta que:
Na soberania compartilhada, os Estados-membros não renunciam à sua soberania, tão-somente passam a exercê-la de forma compartilhada com os outros Estados naquelas matérias expressamente previstas nos tratados; estes, sim, são a base para a definição da distribuição de poderes (competências) entre a Comunidade e seus membros. Esta limitação, que é uma característica da soberania compartilhada, é assegurada pelo chamado princípio da subsidiariedade.
E conclui com bastante clareza quando assevera que:
Em suma, neste modelo, não há perda da soberania, muito menos perda de parte desta, pois soberania não é algo que se possa ter em maior ou menor grau: se é Estado, logo é soberano. A soberania é uma condição do Estado. O que se propõe é o compartilhamento da soberania. (ARIOSI, 2004)
No entanto, os argumentos utilizados pelos defensores da teoria do compartilhamento de soberanias não são suficientes para explicar o fato de que algumas atribuições soberanas, típicas do Estado, como a competência para regulamentar a política cambial e a emissão de moeda, por exemplo, passam a ser totalmente de responsabilidade do órgão supranacional, ou seja, não há subsidiariedade alguma, seja do Estado para o ente supranacional ou deste para aquele.
Desta forma não haveria que se falar em compartilhamento, mas uma verdadeira cessão de soberania, como se verifica no caso dos países da União Europeia que fazem parte da zona do Euro. Em relação a este fato explica Álvaro Osório do Valle Simeão (2008)
Nesses últimos cinqüenta anos, o que era uma associação entre países com vistas a um mercado comum, alargou-se e aprofundou-se a ponto de alguns autores afirmarem que a Comunidade Européia é o primeiro caso de renúncia formal de soberania, situação em que os Estados atribuem às organizações internacionais o direito de estabelecer normas sobre alguns assuntos, sem conservar para eles mesmos esse direito. Nesse caso não se fala em simples atribuição, mas em uma transferência de competência e capacidade. Os tratados comunitários europeus – Roma, Maastricht, Amsterdã, Nice e Lisboa - são diplomas contundentes em relação à extinção do conceito clássico de soberania sob ótica política. Ainda que tenha havido recusa popular em relação à adoção de uma Constituição Européia, o conjunto destes atos internacionais vigentes pode, muito bem, ser entendido como a própria Carta Política comunitária, uma Constituição que, mais do que formal, é material.
O problema é que os estudiosos do Direito Internacional ainda não conseguiram se desvencilhar do conceito clássico de soberania ante a consolidação dos movimentos de integração regionais, com ênfase no que se encontra em estágio mais avançado, a União Europeia, pois sempre se parte do pressuposto da soberania, como um dogma necessário à existência do Estado sem, contudo, um aprofundamento na análise da possibilidade de existência e sobrevivência do ente estatal sem necessariamente haver soberania.
A falta de alternativa teórica para a questão da soberania estatal é que propicia a manutenção de correntes ortodoxas e conservadoras apegadas em demasia aos conceitos clássicos, sempre em voga em momentos de crises econômicas para justificar políticas protecionistas.
3.1. Soberania e Descontentamento Econômico
A crise do conceito de “Estado Liberal” e as recentes e sucessivas crises econômicas sofridas por diversos Estados, desenvolvidos ou em desenvolvimento, trazem à tona a discussão sobre a soberania dos países afetados direta ou indiretamente por esses solavancos intermitentes da economia.
Verifica-se que sempre que há um retrocesso econômico surgem questionamentos sobre o estágio de exposição da soberania de um Estado aos ditames do mercado.
Tendo em vista que os fortes processos de integração entre os Estados têm se desenvolvido por meio de blocos econômicos com órgãos administrativos supranacionais responsáveis pela determinação de políticas comuns aos Estados membros, há uma tendência de parte da população dos países prejudicados em culpar as medidas adotadas em comum, e por vezes efetivamente impostas, pela situação de penúria verificada.
Esta parcela de descontentes apega-se, como dito, aos velhos conceitos de soberania – não mais aplicáveis ao atual estágio econômico mundial –, para suscitarem mecanismos de defesa econômica, comumente utilizados como a taxação de produtos, barreiras alfandegárias, desvalorização cambial, etc., geralmente vedadas ou restritas quando o Estado está em estágio avançado de integração.
O importante de observar é que tal questionamento sobre a exposição da soberania do Estado se dá em momentos de crise, fato natural do ser humano, uma vez que quando o Estado, e consequentemente a população, está sendo beneficiado pelas políticas econômicas a discussão, quando há, não toma proporções significativas. São como sócios componentes de uma sociedade empresarial que só “enxergam” as falhas existentes nos atos constitutivos quando o resultado dos lucros desta não reflete a expectativa de ganhos.
A ganância cega!
Logicamente que a adesão e manutenção dos Estados nos blocos econômicos regionais dependem da aprovação de sua população – além das populações das demais nações que compõem o grupo – e isso é uma questão política, suscetível de sofrer manipulação e diversos tipos de pressão, incluindo a econômico-financeira, em certos aspectos mais forte que a militar atualmente, pois “longe de ser um dado constante, imune às turbulências, os cidadãos, onde quer que estejam, reagem ao aumento da complexidade, o que traz conseqüências para a vida internacional” (AMARAL JUNIOR, 2008, p.38)
O processo de integração econômica afeta de forma diferenciada o capital, o trabalho e as regiões dos países que dele participam. Este processo somente pode sobreviver se dispuser de mecanismos compensatórios para reduzir os desequilíbrios e as tensões que gera em distintos setores da economia e para promover o desenvolvimento mais acelerado das regiões afetadas de forma desfavorável de modo a reduzir os desníveis regionais e suas repercussões na esfera política. (GUIMARÃES, 2012)
As pressões por desempenho que os governos locais sofrem já são por si só suficientes para desestabilizar a legitimidade de uma representação, este fato se potencializa quando a dita representação não possui mais poderes soberanos (seja por delegação, cessão ou compartilhamento) para a prática de atos tendentes à mudança do panorama de crise.
Alberto do Amaral Júnior (2008, p. 38) na análise sobre o fenômeno da legitimação por desempenho cita Charles Rosenau:
Rosenau observa que nos setores público e privado as fontes de autoridade têm mudado de critérios tradicionais para critérios de legitimidade baseados no desempenho. Logo, a disposição para obedecer e para cooperar é proporcional à consideração de que o comportamento em questão é adequado para satisfazer certos fins e garantir a estabilidade.
A crise que então se esboça engloba as organizações coletivas em geral, mas se manifesta de maneira particular na incapacidade demonstrada pelo Estado para resolver problemas substantivos, harmonizar políticas públicas e despertar consenso. A preocupação com o desempenho e a efetividade promove a realocação da autoridade em duas direções opostas, que encontram expressão ora nos grupos subnacionais, minorias étnicas, governos locais, grupos religiosos e lingüísticos, agremiações políticas e sindicatos, ora em coletividades mais abrangentes que transcendem as fronteiras nacionais: organizações supranacionais, organizações intergovernamentais e não governamentais, corporações transnacionais e associações dos mais diferentes tipos, que atuam em muitas partes do mundo.
Desta forma, mesmo na hipótese de ocorrência de um processo de integração mais profundo do que se verifica hoje, mesmo na Europa, a ordem supranacional deve e deverá coadunar com o ordenamento jurídico interno de cada país, tendo em vista que a construção de blocos de integração econômica, diferentemente da integração forçada pela armas, tem início com o debate político interno do interesse na composição do bloco, não existiria, portanto,
uma adesão incondicional aos mecanismos de atuação do liberalismo econômico e dos modelos de dominação dos Estados mais poderosos, que nitidamente controlam as regras do jogo no campo das relações internacionais, tampouco a perda total da autonomia jurídico-político-econômica dos Estados em favor dos processos de integração regional, mas um posicionamento estratégico e racional diante de uma realidade irrefreável – ao menos segundo a atual perspectiva do cenário internacional. Voltar-se contra esta tendência ou obstaculizá-la, pela crença indiscriminada de governos em dogmas jurídico-políticos obsoletos e suplantados, pode resultar em prejuízos significativos para uma nação. (SILVA, ____, p. 09/10)
No entanto, a pressão interna pela satisfação dos interesses imediatos da população em momentos de crise econômica dá azo à reanálise das teorias que negam a existência do próprio Direito Internacional.
Para Espinosa “os Estados viveriam única e exclusivamente em função da satisfação de suas necessidades. Assim, qualquer avença internacional poderia ser desrespeitada se viesse a contrariar os interesses internos de determinado Estado.” (PEREIRA, 2009, p.39). Não deixa de existir uma espécie de maquiavelismo, pois neste caso os fins justificariam os meios, servindo as pressões locais como justificativa para a denúncia de um tratado ou mesmo a fraude para ingressar nos quadros de uma associação internacional.
Citamos como exemplo principal o caso da Grécia que, supostamente, teria fraudado e alterado dados sobre sua situação financeira e contas públicas para se atender às exigências para o ingresso na zona do Euro. Como não há uma coercitividade supranacional o máximo que poderia ter acontecido seria a saída do referido país do bloco de integração, fato que teria agradado a parcela descontente com as sujeições aos ditames dos órgãos da União Europeia; neste pensamento é que se fundamentam Gumplowicz e Lundstedt, segundo os quais “os Estados anteporiam aos interesses gerais os seus próprios interesses sempre que antagônicos.” (PEREIRA, 2009, p. 26)
Outro exemplo de como ainda são frágeis as bases sustentadoras da integração econômica europeia foi o caso cipriota, no qual pôde se observar como um pequeno Estado, com sua pequena economia, mas integrada ao bloco, pode trazer consequências nefastas ao todo quando não são tomadas as devidas precauções de ajustes e austeridade na política econômica.
Desde o início da crise econômica de 2008 cinco países que compõem a “zona do euro” já foram socorridos por planos de ajuda financeira[4].
A ajuda econômica tem seu preço, uma vez que são necessárias medidas por vezes drásticas que, como dito, causam enorme custo político para governantes, fato que se confirma nas urnas já que nas últimas eleições para o Parlamento Europeu os eleitores dos 28 países-membros da União Europeia vinham dando cerca de 30% das cadeiras a partidos contrários ao projeto de integração, reflexo do desânimo com os anos de crise econômica. (FORNETTI, 2014, p. 234-236)
Todavia, mesmo com as pressões internas em decorrência do desempenho econômico, verifica-se uma espécie de “ponto sem retorno” para algumas economias ante as oportunidades de ganhos para seu desenvolvimento e população. É quando o debate se acalora, uma vez que a análise do custo-benefício entre a conservação de todos os aspectos da soberania[5] ou abrir mão de parte das atribuições inerentes ao estado em prol de ganhos econômicos, mas sujeitos à ingerência de órgãos supranacionais.
Seria como um casamento, no qual o divórcio seria mais caro e prejudicial do que a opção por manter o vínculo matrimonial, mesmo que os interesses amorosos não mais sejam convergentes.
Sob o enfoque econômico é evidente que nesta estrutura não deixarão de existir desavenças e choques de interesses, pois os governos locais ainda terão que prestar contas com seus cidadãos e quando o resultado não é o esperado os questionamentos acerca da viabilidade da parceria ou associação vêm à tona e com grande força.
É o que se verifica na própria União Europeia no caso da “Crise Grega” onde o país-membro não conseguiu alcançar os resultados esperados e acordados com os demais componentes do bloco, no que tange à austeridade com a dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto, fato que leva à cobrança internacional de medidas de contenção do problema, que envolve não só o governo local, mas também as autoridades do governo supranacional.
Segundo Verena Fernetti (2014, p. 234-236)
Por muito tempo, os economistas europeus se dividiram entre os ‘formigas’, que defendiam a austeridade para diminuir o nível de endividamento dos países, e os ‘cigarras’, a favor de menos rigor nos cortes orçamentários e mais estímulos para a economia. Para resumir uma longa história, os pró-austeridade prevaleceram e, após muitos cortes de gastos, as agências de classificação de risco acabaram elevando a nota dos títulos de dívida mais ameaçados pelos investidores.
Assim como na comparação feita com o instituto do condomínio, outra comparação pode ser feita com um conglomerado ou grupo empresarial, no qual o mau desempenho de uma empresa componente do grupo pode comprometer a saúde financeira de todas as demais, um país em dificuldades pode levar todo o bloco à bancarrota ou à sua dissolução ante a grande necessidade de esforços e capitais para o socorro financeiro àquele.
A cobrança supranacional incomoda a população e o governo local que, apesar de não cumprirem as metas econômicas acordadas previamente, vêem a pressão externa como afronta à sua soberania, esquecendo-se das benesses outrora propiciadas pela integração econômica.
Por outro lado, os demais membros passam a se questionar da real necessidade de terem este “sócio” e os montantes financeiros que terão que disponibilizar para a ajuda no soerguimento do membro problemático.
O ponto divergente da comparação se dá na análise de viabilidade da manutenção do conglomerado que, ao contrário da seara empresarial, não se pode dar tão somente sob a óptica econômica; não se pode fechar, liquidar ou vender as ações de um país, movimentos naturais no plano empresarial dos gestores do conglomerado para solucionar o problema da empresa deficitária. No entanto, tais movimentos são impraticáveis no jogo das nações.
Na integração regional existe um fator componente do fenômeno econômico, o fator político.
Este fator político muitas vezes vai de encontro e se sobrepõe aos interesses econômicos em prol de um projeto comum mais abrangente, como demonstra Alberto do Amaral Júnior (2008, p 400-401), quando trata dos objetivos da integração regional sob os pontos de vista econômico e político:
Nos dias atuais, a diversidade marca as experiências de integração regional: formas institucionais distintas engendram a cooperação tendo em vista os objetivos a atingir. A coordenação de esforços em escala mais ampla decorre de razões políticas e imperativos econômicos que estabelecem o ritmo da colaboração interestatal. O regionalismo econômico visa, principalmente, a dilatar a dimensão do mercado, gerar economia de escala e diminuir custos, além de melhorar a inserção internacional dos países.
O regionalismo político dedica-se aos temas relacionados à segurança nacional, à institucionalização da confiança e á negociação de acordos que façam cessar a instabilidade e eliminem as fontes de conflito. Não obstante esse fato, fica cada vez mais difícil separar com nitidez o regionalismo econômico do regionalismo político: a integração econômica contribui para superar rivalidades latentes ou reais e a coordenação política cria condições para elevar o nível de intercâmbio regional. São, na realidade, duas faces de uma mesma moeda, que se implicam reciprocamente, de modo que o êxito de uma das formas de regionalismo depende dos destinos da outra.
Na conjuntura da integração regional e da globalização os “efeitos-borboletas” são mais constantes e nefastos em virtude da simbiose e interdependência das economias dos sócios. Ainda citando Alberto do Amaral Júnior (2008, p.403):
A integração econômica transforma assuntos domésticos em temas de interesse regional. A necessidade de harmonizar as regras em diversos setores limita a liberdade que as autoridades nacionais desfrutavam em matéria comercial. A elaboração de normas comuns gera, frequentemente, dificuldades de legitimação do sistema de poder. Os segmentos afetados com as medidas que repercutem no emprego ou que redundem em perda de mercado opõem-se vigorosamente à integração pretendida. No momento em que a região passa a ser o eixo em torno do qual inúmeras questões são decididas, os governos nacionais perdem autonomia reduzindo-se a dimensão do espaço regulatório interno.
4. SUPRANACIONALIDADE E SOBERANIA.
4.1 Conceituação
Ante a dificuldade de enquadramento do modelo europeu de integração e fazendo um exercício de imaginação, tentado antever o incremento das relações entre os países que compõem o bloco, na possível criação futura da figura de um “superestado”, ou algo assemelhado, que não se enquadraria nas concepções que fundamentam a Teoria Geral do Estado, uma vez que as formas clássicas de Estado – Estado Simples ou Unitário, Estado Federado e Estado Confederado – não são aplicáveis ao atual estágio de integração europeu, tampouco, à ideia de um futuro Estado formado pelas nações integrantes da União Europeia.
A ideia de supranacionalidade está presente na história humana desde a formação de antigos impérios, nos quais alguns reinos conquistados preservavam a relativa autonomia em relação ao centro de poder, conservando, por vezes, seus monarcas, mesmo que estes passassem a dever obediência ao rei supremo ou imperador.
Na idade média, com a pulverização de feudos e o esfacelamento de poder na Europa, quem passou a ter papel preponderante sobre as demais potestades, exercendo as funções, mutais mutandi, de uma entidade supranacional foi a Igreja Católica, baseando-se, sobretudo, em uma legitimação metafísica – ser a representante de Deus na terra – conseguiu por mais de mil anos ser uma reguladora interveniente nos assuntos locais e representando os interesses da cristandade em assuntos internacionais, como nas relações com o Império Romano do Oriente e reinos muçulmanos.
Logicamente não se tinha firmado naquele momento o conceito de soberania em virtude dos laços de suserania e vassalagem que regiam as relações feudais, nas quais o dever de obediência do vassalo se consubstanciava no caráter sagrado do juramento prestado.
Com o início da idade moderna o poder temporal da Igreja Católica limitou-se aos Estados Papais, deixando aquela de representar uma influência objetiva na maioria dos povos europeus. O último resquício de supranacionalidade na Europa teve seu término com o desfazimento do Sacro Império Romano-Germânico durante as guerras napoleônicas.[6]
Somente com o fim da Segunda Guerra Mundial a ideia de uma supranacionalide voltou ao debate como forma de tentar impedir que os horrores de um conflito bélico se repetissem.
No bojo da reconstrução européia foi convocado o Congresso da Europa, que teve lugar em Haia, em 1948. Na oportunidade, o futuro da Europa foi visto a partir de duas ópticas distintas. Impressionados pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, os federalistas reivindicaram a substituição das soberanias nacionais por uma formação similar à norte-americana. Já os pragmáticos, que contavam com o apoio dos chefes de Estado e de governo presentes ao encontro, defenderam a cooperação intergovernamental , sem restrição à competência dos Estados. Essa tese inicialmente vitoriosa influenciou a criação em 1949, do Conselho da Europa, que realçou o papel da cooperação nos planos econômico, social, cultural e científico. (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 422)
Neste contesto foi criada em abril de 1951 a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) a primeira comunidade de países a prever expressamente uma autoridade supraestatal, a Alta Autoridade, conforme consta do art. 9º, do Tratado de Paris, quando prediz que “[...] Estados-membros comprometem-se a respeitar a natureza supranacional dessas funções e a não influenciar os membros da Alta Autoridade no exercício das mesmas.”
Estavam lançadas as bases para União Europeia e o debate sobre a viabilidade dos entes supreestatais.
4.2. Caracterização.
Mariângela Ariosi (2004) citando Márcio Monteiro Reis aponta pressupostos básicos para a formação e existência de um ente supranacional – sempre tendo como base o modelo europeu – que consistiriam basicamente:
a) na existência de instâncias de decisão independentes do poder estatal, as quais não estão submetidas ao seu controle;
b) na superação da regra da unanimidade e do mecanismo de consenso, já que as decisões – no âmbito das competências estabelecidas pelo tratado instituidor – podem ser tomadas por maioria, ponderada ou não;
c) no primado do direito comunitário frente à legislação interna. A integração européia determinou a reestruturação das competências soberanas, que passaram a ser dividida entre os Estados e os órgãos comunitários.
O caráter heterogêneo dos países que compõem a União Europeia e as distintas vocações econômicas[7] é o que fundamentaria a necessidade existência de um órgão supranacional. As políticas econômicas praticadas pelos países membros não podem ser concorrentes, mas complementares, buscando um objetivo comum. A liga ou cimento que os une é exatamente o interesse econômico, mesmo que travestido de interesse político, como visto acima.
Segundo Claudio Cairo Gonçalves (?), e em consonância com os argumentos acima,
é necessário notar ainda, que, ao nível da integração econômica, são as diferenças, e não as semelhanças, que permitem uma certa margem de vantagens competitivas. Preservar, em níveis satisfatórios, a margem de diferenciação do mercado produtor e o acesso ao produto nacional por parte do mercado consumidor interno é uma forma de assegurar certas vantagens econômicas, que proporcionam crescimento econômico, por sua vez, o desenvolvimento.
Desta forma, voltamos à questão da soberania estatal, uma vez que para haver qualquer tipo de supranacionalidade necessariamente haverá subordinação dos Estados associados aos organismos de integração, subordinação esta a qual o Estado está sujeito por representar um bem ao interesse comum, mas por se subordinar paradoxalmente estaria “relativizando” ou flexibilizando a sua soberania?
O elemento metafísico da supranacionalidade seria, então, justificado pelos anseios teleológicos da busca pelo bem comum dos membros do bloco. Para Celso de Albuquerque Mello (1996, p.22) a soberania e as normas jurídicas internas seriam preteridas em favor das normas comunitárias, tendo em vista que:
o alcance desse objetivo far-se-á através de um ordenamento jurídico hierarquicamente superior aos ordenamentos nacionais e, caso necessário, com sacrifício das normas domésticas, sem o que, tornar-se-ia inviável a almejada integração. Por essa razão, no contexto supranacional, não e possível se falar de coordenação de soberanias, características do direito internacional publico. Na sociedade internacional clássica, a coordenação de soberania é corolário da coexistência pacífica dos integrantes, vez que todos estados devem respeitar o direito dos outros estados componentes. O dever de cooperação radica na moral e na solidariedade internacional, mas há evidência que se tratam de princípios de cunho meramente formal, pois, na prática, nunca atenderam o relacionamento entre desiguais no contexto externo.
No caso da União Europeia as competências podem ser exclusivas ou concorrentes com os Estados-membros.
A competência exclusiva afasta a intervenção estatal, como sucede, por exemplo, em matéria de transportes, agricultura e concorrência. Na hipótese de competências concorrentes, os órgãos comunitários atuam quando os Estados não legislam ou legislam de modo insuficiente em áreas tais com meio ambiente, políticas sociais, tecnologia, saúde, educação e proteção ao consumidor. (AMARAL JUNIOR, 2008, p. 425)
Sob este aspecto haveria um flagrante choque conceitual entre a soberania e a supranacionalidade.
A delegação de poderes citada faz-se com base nos tratados internacionais que, corroborando as comparações feitas acima, se assemelham à convenção de formação de um grupo empresarial, capitaneado por uma holding[8]. Esta, apesar de possuir personalidade jurídica própria, não possui finalidade produtiva própria, sem as empresas controladas, uma vez que é criada em função destas.
Seria o caso do ente supranacional que, como uma “União Federal” não teria personalidade jurídica, tampouco razão de existir sem a existência dos próprios Estados que comporiam a dita União.
Na comparação com os Estados, as empresas, mesmo após a formação do grupo empresarial (comunidade) e sob o comando da holding (ente supraestatal), continuam tendo personalidade jurídica, gerência, contabilidade, empregados e patrimônio próprios, assim como autonomia na condução dos negócios – mesmo que os rumos sejam regidos pela controladora – e tratamento com outras empresas fornecedoras ou concorrentes, igualmente, ocorre com os Estados que dentro da competência concorrente com a entidade supraestatal manteriam seus poderes inerentes, mas com enfoque na administração local, de interesses específicos ligados às peculiaridades idiossincráticas de cada rincão, uma vez que os interesses de repercussão geral estariam delegados à autoridade condutora, no caso, os órgãos de direção da Comunidade.
No entanto, o conceito de supranacionalidade é tão premente, a maior economia do bloco europeu fez constar em sua Constituição Federal, expressamente, a possibilidade de transferência de poderes soberanos aos órgãos comunitários, conforme consta dos arts. 21.1 e 24, do referido diploma legal:
Artigo 23
[União Europeia – Proteção dos direitos fundamentais – Princípio da subsidiaridade]
(1) Para a realização de uma Europa unida, a República Federal da Alemanha contribuirá para o desenvolvimento da União Europeia, que está comprometida com os princípios democráticos, de Estado de direito, sociais e federativos e com o princípio da subsidiaridade e que garante uma proteção dos direitos fundamentais, comparável em sua essência à garantia constante nesta Lei Fundamental. Para tal, a Federação pode transferir direitos de soberania através de lei com anuência do Conselho Federal. Para a criação da União Europeia, bem como para as alterações dos tratados constitutivos e de todas as normas correlatas, através dos quais esta Lei Fundamental venha a ser modificada ou complementada em seu conteúdo ou que ensejarem tais mudanças ou complementações, aplica-se o artigo 79 §2 e 3.
Artigo 24
[Transferência de direitos de soberania – Sistema coletivo de segurança]
(1) A Federação pode transferir direitos de soberania para organizações interestatais, por meio de lei.
Ressalte-se que a Lei Fundamental alemã salienta o princípio da subsidiariedade com prevalência das normas comunitárias, ou seja, aceita a existência de um poder hierarquicamente superior com fins de garantir a união da Europa, como expressam os arts. 24.2 e 25:
Artigo 24
[..]
(2) Com vista a salvaguardar a paz, a Federação pode aderir a um sistema de segurança coletiva mútua; para tal, aceita limitações aos seus direitos de soberania que promovam e assegurem uma ordem pacífica e duradoura na Europa e entre os povos do mundo.
Artigo 25
[Preeminência do direito internacional]
As regras gerais do direito internacional público são parte integrante do direito federal. Sobrepõem-se às leis e constituem fonte direta de direitos e obrigações para os habitantes do território federal.
Eduardo Biacchi Gomes (?) nas considerações finais de artigo denominado “A supranacionalidade e os blocos econômicos” aponta vantagens e desvantagens da supranacionalidade:
Vantagens da supranacionalidade
a.1) Possibilita uma maior do bloco econômico, devido à presença de órgãos com competência própria que adotam suas decisões da integração, independentemente do interesse particular dos Estados;
a.2) possibilita o aprofundamento da integração, pois, com a adoção, por parte dos Estados de uma política única comunitária, os conflitos podem ser resolvidos de forma mais fácil, sempre em prol do bloco econômico;
a.3) prestigia a sociedade civil, reconhecendo os direitos do cidadão como sujeito ativo e passivo das normas comunitárias, o que possibilita a sua participação efetiva no processo de integração;
a.4) finalmente torna possível um verdadeiro ordenamento jurídico comunitário, com uniformidade na interpretação e aplicação das normas comunitárias tanto por um tribunal comunitário quanto pelos tribunais nacionais.
Desvantagens da supranacionalidade
b.1) Para a adoção do instituto, o desenvolvimento dos Estados deve ser harmônico, em seus aspectos sociais, econômicos e culturais;
b.2) adotando o instituto da delegação de competências, o Estado submete-se aos interesses do bloco econômico, não podendo exercê-las, mesmo que temporariamente;
b.3) impõe a necessidade de instituições permanentes com funcionários próprios, o que muitas vezes torna dispendioso o processo;
b.4) cada processo de integração deve criar seu próprio modelo, segundo suas características geográficas, econômicas e culturais. Vide o exemplo da Comunidade Andina, que “transplantou” para o seu ordenamento jurídico o Direito Comunitário e a supranacionalidade, e está há muito tempo estagnada.
Onde o autor supracitado vê desvantagens enxergamos benesses, já que as apontadas mazelas só vêm a trazer estabilidade para o bloco. Ademais, a tomada de exemplos de modelos já existentes não é maléfica para os aspirantes à integração, pois antes de aprenderem com os acertos é interessante que se observem os erros e percalços que ocorreram na caminhada rumo à maturidade dos processos que só a vivência prática traz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de Estado-Nação base do Estado moderno já se encontra há muito consolidado, tendo cumprido seu papel histórico, vivenciamos uma nova fase que tem como objeto a consolidação dos blocos econômicos, em graus diversos, é verdade, mas que o conceito de soberania nos moldes clássicos já não mais se aplica.
Cremos que as crises econômicas fortalecem as instituições políticas e de ajuda mútua dos Estados membros das comunidades internacionais, fato que pode confirmar a tendência a uma nova onda de unificação de países em torno de uma federação, que igualmente, não respeitaria os ditames clássicos das teorias de formação do Estado..
Apesar de concordarmos com a ideia de uma futura evolução dos órgãos supranacionais levando, principalmente, as nações que compõem a União Europeia para algo além do estágio atual, não podemos, contudo, afirmar que efetivamente estes chegarão ao ponto de formarem um Estado Federal na Europa, tampouco, seria viável, em nossa opinião, a adoção da forma confederada de Estados ante a precariedade – no sentido da insegurança institucional – deste meio de associação; daí a importância da discussão sobre que forma tomaria o pretenso Estado Europeu.
O que se observa quanto à soberania é que a paulatina transferência de poderes soberanos dos Estados-membros para o ente supranacional, que unificando-os, acabará dando contornos soberanos à União Europeia.
Todavia, no momento atual não há teorias satisfatoriamente plausíveis que expliquem e que venham a equacionar o hiato existente entre o pensamento clássico dos contornas da soberania e os estado atual de consolidação das comunidades de países e a atuação dos entes supranacionais.
O apego às correntes conservadoras, como visto, fomenta o nacionalismo local e vai de encontro frontalmente aos anseios e necessidades comuns de integração. Pequenos problemas internos podem tomar uma proporção tal que atinja a estabilidade de todos os membros do bloco em virtude da complexa interdependência entre os agentes.
Observamos que no decorrer da história humana a necessidade é a matriz da criatividade, sua força motriz. Assim como os americanos das Treze Colônias britânicas conseguiram adaptar o sistema confederado às suas necessidades, quando da Criação dos Estados Unidos da América, tornando-se os pais Federalismo Presidencial, certamente a capacidade inventiva dos povos europeus será plenamente eficaz ao desenvolver uma forma d