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Artigos - O Usucapião: Abordagem do direito brasileiro e argentino.
 
O Usucapião: Abordagem do direito brasileiro e argentino.

Autor: Francisco Igor Fonseca de Andrade


INTRODUÇÃO
 
O presente trabalho tem como objetivo principal o estudo do instituto do usucapião, por meio da abordagem conceitual, histórica e modalidades previstas na legislação brasileira e argentina.
 
Por sua importância, quantidade de espécies e maior utilização nos deteremos ao usucapião de bens imóveis, fundamentado basicamente na concepção cada vez mais em voga da sua utilização em razão da função social da propriedade.
 
O usucapião, desde as suas remotas origens, permitindo consolidar a propriedade em favor daquele que, possuindo como seu por tempo prolongado, trabalhou o bem e o reintegrou em sua função econômico-social, constitui valioso elemento gerador de riquezas, contribuindo para o incremento do bem-estar coletivo e, conseqüentemente, para atenuar as tensões sociais.
 
Ao contrário da estabilização do instituto em suas espécies clássicas, no Brasil há uma proliferação de formas com requisitos especiais próprios que visam à adaptação do instituto aos anseios e às mudanças político-sociais exigidas pela população.
 
Serão abordados, de forma sintética, as espécies e os requisitos exigidos em lei para a sua utilização, incluindo a recente alteração no Código Civil Brasileiro que prevê a utilização do instituto em face de ex-cônjuge ou companheiro.
 
1.         ABORDAGEM HISTÓRICA
 
O instituto do usucapião sobreviveu às diversas transformações experimentadas pela humanidade através dos séculos, desde o seu surgimento no direito romano pré-clássico até os dias atuais. Pouquíssimos institutos têm uma imutabilidade conceitual tão longeva quanto o objeto do presente estudo.
 
A figura do usucapião, surgiu no Direito Romano, com o fito de proteger a posse do adquirente imperfeito, que recebera a coisa sem as solenidades necessárias, de acordo com a legislação vigente àquela época. Entretanto, somente pode-se encontrar informações históricas mais detalhadas a partir da Lei das XII Tábuas.
 
A regulamentação trazida pela Lei das XII Tábuas tratava tanto da sua aplicabilidade aos bens móveis quanto aos imóveis, sendo que para aqueles se aplicava o prazo de um ano, enquanto para estes o prazo mínimo era de dois anos para que o possuidor adquirisse a coisa; posteriormente os prazos foram alongados para dez anos entre presentes e vinte entre ausentes, em decorrência da escalada bélica de Roma, uma vez que os prazos mais diminutos causavam insegurança jurídica para os que estivessem longe de suas posses enquanto serviam aos interesses do Estado.
 
Leis posteriores aperfeiçoaram a aplicação do usucapião, como a Lei Atínia, a qual proibiu a utilização para aquisição de coisas furtivas, tanto para o ladrão como para o receptador, assim como as Leis Júlia e Pláucia que ampliaram a proibição às coisas obtidas mediante violência e a Lei Scribonia que vedou o usucapião das servidões prediais (Monteiro, 2007, p.120).
 
Logo, para o exercício do direito o titular estava obrigado a obedecer a algumas condições, como: coisa idônea (res habilis), posse continuada por certo lapso temporal, justo título ou justa causa (iustus titulus ou iusta causa) e boa-fé.
 
Tratava-se de um direito restrito aos que possuíam cidadania romana, posteriormente, estendido em favor do estrangeiro.
 
Segundo Silvio de Salvo Venosa, foi com a organização legislativa promovida pelo imperador Justiniano que houve a fusão de institutos que deram ao usucapião seus contornos modernos:
 
No direito de Justiniano, o usucapião resulta da fusão de dois institutos de mesma índole, mas com campos diversos de atuação, a usucapio e a longi temporis prescriptio.
Usucapio deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Tomar pelo uso. Seu significado original era de posse.
A chamada prescriptio, assim denominada porque vinha no cabeçalho de uma fórmula, era modalidade de exceção, meio de defesa, surgido posteriormente à usucapio, no direito clássico.(Venosa, 2007, p.182)
 
Ou seja, destaca-se a dupla face do instituto, a face aquisitiva pela qual se adquire a propriedade pela posse prolongada e a face extensiva pela qual alguém de uma obrigação pelo decurso do tempo (Monteiro, 2007, p.120).
 
Este caráter dúplice causa celeuma quando se tenta conceituar a natureza jurídica do usucapião, muitas vezes utilizado como sinônimo de prescrição aquisitiva, assunto que será objeto de análise mais adiante.
 
2.         CONCEITO
 
Usucapião de bens imóveis é um dos modos de aquisição da propriedade, mediante a posse continuada durante certo lapso de tempo, e preenchidos os requisitos previstos na lei, conforme nos ensina Maria Helena Diniz, “a usucapião é um modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, uso, habitação, enfiteuse pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais”(Diniz, 2008, p. 154).
 
Pelo art. 3948 do Código Civil argentino “la prescripción para adquirir es ‘um derecho’ por el cual  um poseedor de una cosa ‘inmuoble’ adquiere ‘la propriedad de ella’, por la continuación de la posesión durante el tiempo fijado por la ley” (Papaño, et al, 2011, p. 671).
 
Para Caio Mário da Silva Pereira, usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada, uma vez que há obrigatoriamente a existência de dois elementos básicos na aquisição per usucapionem: a posse e o tempo (Pereira, 2001, p. 96).
 
O legislador, desde os primórdios do instituto, buscou regulamentar a transformação de uma situação de fato em um direito. A situação fática é, como dito, a posse,
 
“que, sem ser molestada, alongou-se por um intervalo de tempo determinado em lei, transformando-se em situação de direito. Assim, se o possuidor, sem ser molestado em sua posse (que por isso é mansa e pacífica), exerce sobre a coisa os poderes inerentes ao domínio por certo lapso temporal, permite-lhe a lei obter declaração judicial capaz de conferir-lhe o domínio, depois da respectiva transcrição.”(Rodrigues, 2003, p.108)
 
 
2.1. Usucapião x Prescrição Aquisitiva.
 
Conforme citado anteriormente, existe discussão doutrinária acerca da natureza jurídica do instituto em sua aplicação legal e nomenclatura, ou seja, o debate reside se o usucapião explicitado na legislação é efetivamente o usucapio ou a longi temporis prescriptio.
 
A controvérsia é meramente acadêmica e doutrinária, pois no campo da prática e da objetividade a matéria não possui relevância que ponha em risco o objetivo maior que é a aquisição do domínio de um bem pela ocorrência da posse e tempo.
 
No direito argentino, acompanhando a tradição unitária romana constante igualmente no código civil francês, a matéria é tratada sem diferenciação, utilizando as duas expressões como sinônimas:
 
Usucapión y prescripción adquisitiva son, em nuestro derecho, un mismo instituto. Sin embargo, la cuestión está en dilucidar se esta intitución y la prescripción liberatoria son la misma cosa, aunque examinadas o miradas desde distintos ángulos, como dos caras de una misma medalla. Y decimos que la cuestión está en ese punto porque en los códigos contemporáneos usucapión y prescripción liberatória han sido legisladas como dos instituciones diferentes en su totalidad. Nossotros creemos que la prescripción es um solo instituto, que tiene, no obstante, dos aspectos, según se lo aplique a los derechos reales que lo admiten, o a los derechos personales. Se llama “usucapión” o “prescripción adquisitiva” cuando es de aplicación a los derechos reales que pueden ser adquiridos por ese modo, como el dominio, por exemplo, y se denomina “prescripción adquisitiva”, cuando él se refiere a los derechos personales que lo admitem.” (Papaño, et al, 2011, p. 669).
           
No mesmo sentido, para Edmundo Gatti o usucapião seria uma espécie de prescrição aquisitiva, posto que "la prescripción aquisitiva es un modo de aquisición de los derechos reales sobre cosa propria y de los de oce o disfrute sobre cosa ajena por la continuación de la posesión o de los actos posesorios durante el tiempo fijado por la ley".(Gatti, p. 340)
 
Pelo sistema alemão cada um dos institutos tem vida própria, é autônomo, mesmo com afinidades. Tal posicionamento foi adotado pelo direito civil brasileiro nas codificações de 1916 e 2002.
 
A tese da autonomia do usucapião é consagrada nas modernas legislações. Assim, do ponto de vista da finalidade, a prescrição é um modo de extinguir pretensões, enquanto o usucapião é modo de adquirir direitos reais. A base dos institutos também é diversa; na prescrição, é a inércia do sujeito de direito; no usucapião, é a posse continuada. Diverso é o aspecto da aplicabilidade; o usucapião restringe-se aos direitos reais. A prescrição, por fim, tem um sentido negativo, de extinção, enquanto que o usucapião é positivo, como força geradora. (Gomes, 1978, p.159)
 
Arnoldo Wald traz explicação compreensível acerca do tratamento dos dois institutos no direito positivo brasileiro, quando afirma que
 
Na realidade, embora tendo amos seus efeitos baseados no decurso do tempo, os dois institutos têm finalidades diversas, justificando-se o tratamento diferente que o Código Civil Brasileiro lhes deu. Enquanto existe prescrição para toda responsabilidade oriunda de lesão de direito subjetivo, provindo do desrespeito de um direito real, de um direito pessoal, ou mesmo de um direito de família, merecendo, pois, a prescrição a ser regulada, como o é, na Parte Geral do Código Civil, o usucapião é apenas um meio de adquirir o direito de propriedade móvel ou imóvel, constituindo, pois, parte do livro referente ao direito das coisas.(Wald, 2009, p.193)
           
Desta forma, tecnicamente, tendo como base o direito brasileiro, é incorreto o tratamento igualitário entre os dois institutos, mesmo que o decurso do tempo seja elemento essencial para ambos.
 
3.         USUCAPIÃO COMO MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE.
 
O usucapião é meio de aquisição de propriedade, isto é fato; entretanto, os doutrinadores não ainda não têm uma conclusão definitiva acerca da natureza desta aquisição, se originária ou derivada.
 
A aquisição originária da propriedade é caracterizada, em suma, pela não existência de relação jurídica entre o adquirente e o senhorio anterior da coisa, se existir; enquanto a aquisição derivada se dá por meio da transmissão da propriedade por seu dono anterior ao atual.
 
Partindo destes pressupostos básicos os defensores da tese que o usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade advogam que por não haver transmissão efetiva e voluntária (inclusive causa mortis, por determinação legal) por parte do senhorio anterior, não há que se falar em aquisição derivada. Nas palavras do clássico Pontes de Miranda:
 
No usucapião, o fato principal é a posse, suficiente para originariamente se adquirir; não para se adquirir de alguém. É bem possível que o novo direito se tenha começado a formar antes que o velho se extinguisse. Chega momento em que esse não mais pode subsistir, suplantado por aquele. Dá-se, então, impossibilidade de coexistência, e não sucessão, ou nascer um do outro. Nenhum ponto entre os dois marca a continuidade. Nenhuma relação, tampouco, entre o perdente do direito de propriedade e o usucapiente.
              
A aquisição não derivaria da posse do proprietário anterior, mas sim, da própria posse do usucapiente, que por meio do tempo e outros requisitos legais faz nascer um direito com a perda do domínio pelo proprietário anterior, mesmo contra sua vontade (Papaño, et al, 2011, p. 667).
 
Esse é o posicionamento adotado pela jurisprudência brasileira, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.
 
Todavia, não se pode desconsiderar o fato de que, salvo nos casos de res nulius, houve uma transmissão de titularidade da propriedade, mesmo que involuntária, a qual não se perfaz sem ato declaratório estatal (jurisdicional) da perda do direito do proprietário anterior em favor do adquirente/usucapiente, mas que falte o requisito do animus de transferir, que caracteriza como regra, a aquisição derivada.
 
Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira conclui que "o usucapião é uma modalidade aquisitiva que pressupõe a perda do domínio por outrem, em benefício do usucapiente" (Pereira, 2001, p. 96). De conseguinte, como modo derivado de aquisição do direito de propriedade se funda em direito do titular anterior, que, como pressuposto do direito transmitido, determina-lhe a existência, a extensão e as qualidades.
           
Ademais, se levarmos em consideração tão somente o requisito da vontade, este não existe em outros tipos de aquisição derivada como a desapropriação, por exemplo, fato que dá força à tese de que o usucapião se enquadraria em forma de aquisição derivada da propriedade.
 
4.         ELEMENTOS BÁSICOS DO USUCAPIÃO.
 
Sendo o instituto do usucapião, de acordo com a doutrina já citada, meio de adquirir a propriedade pelo transcurso prolongado da posse, têm-se presentes nesta definição dois elementos essenciais para a caracterização do direito do postulante ao domínio da coisa a ser usucapida: a posse e o tempo.
 
Estes dois elementos são uma constante em todas as espécies de usucapião, seja nas formas clássicas – Usucapião Ordinário e Extraordinário, no direito brasileiro; e Prescripción Breve e Prescripción Larga, no direito argentino – ou nas formas especiais – Usucapião Especial Urbano, Usucapião Especial Rural ou Agrário e novíssimo Usucapião Especial entre ex-cônjuges – os demais requisitos são desdobramentos ou regulamentos destas duas constantes primordiais.
 
4.1. Da Posse.
 
A posse para fins de usucapião possui requisitos específicos exigidos por lei para a aquisição da propriedade, sendo necessária que seja exercida sem interrupção, sem oposição e com animus domini.
 
De acordo com Caio Mário da Silva Pereira não é qualquer posse que dará direito ao agente possuidor à pretensão de usucapir:
 
[...] não basta o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário; não é suficiente a gerar aquisição, que se patenteie a visibilidade do domínio. A posse ad usucapionem, assim nas fontes como no direito moderno, há de ser rodeada de elementos, que nem por serem acidentais, deixam de ter a mais profunda significação, pois a lei a requer contínua, pacífica ou incontestada, por meio de tempo estipulado, e com intenção de dono. (Pereira, 2001, p. 97)
           
Por posse contínua entende-se ser aquela exercida sem interrupção, ou seja, sem intervalos ou sob a mácula de vícios e defeitos, devendo ser demonstrada a vontade do usucapiente de adquirir o direito a que se propõe (Papaño, et al, 2011, p. 674).
 
A posse ad usucapionem deve ser pública, mansa e pacífica devendo esta ser conhecida por aqueles em face de quem o usucapiente invocará seu direito. Uma vez conhecida a posse por aqueles contra quem esse deveriam se insurgir, tem início a contagem do tempo para a implementação do direito do postulante, com base na prescrição aquisitiva, uma vez que não havendo oposição de quem possui o domínio original da coisa, há a presunção de que há o pleno conhecimento do fato por estes, o que retiraria, em tese, o vício da clandestinidade.
 
O possuidor não pode, igualmente, ter tido sua posse contestada ou molestada durante o prazo estipulado em lei para a aquisição do direito. A oposição à posse do usucapiente tem que ser exercida por quem detenha o legítimo interesse para tal fim, via de regra, o proprietário da coisa, e deve ser traduzida em atos concretos para reaver o bem.
 
O animus domini é a intenção de ter a coisa para si, é um requisito pessoal e de caráter psicológico, que caracteriza a vontade inequívoca de ter e praticar todos os elementos inerentes ao domínio. Daí excluir-se da condição de usucapiente aquele que detenha a posse de maneira precária.
 
4.2. Do tempo.
 
O tempo, como visto, é outro elemento essencial para o procedimento de usucapião, pois é ele quem define onde se inicia o direito do usucapiente e onde tem fim o direito do antigo proprietário.
 
Em todas as espécies de usucapião a maior diferenciação são os prazos, mesmo que a haja outros requisitos importantes, como o justo título e a boa-fé, o tempo é o mais importante, tanto que este pode, pelo seu maior ou menor transcurso, fazer serem mais ou menos importantes aqueles, chegando ao ponto de torná-los irrelevantes, como nos casos de usucapião extraordinário e/ou prescripción larga.
 
tempo de posse do usucapiente pode ser somado ao de possuidores anteriores para a comprovação do tempo necessário ao exercício do direito, conforme consta do art. 1.243 do Código Civil Brasileiro, in verbis
 
Art. 1243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.        
 
 Igual disposição está presente na parte final do art. 4.005 do Código Civil de la República Argentina, quando dispõe que o sucessor particular “puede unir su posesión a la de su autor, se las dos posesiones son legales.”
 
5. DAS ESPÉCIES DE USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS.
 
Durante longo tempo o usucapião foi disciplinado no direito brasileiro nos mesmos moldes do direito romano, com apenas duas espécies, o usucapião ordinário e o extraordinário[1], a exemplo do direito argentino que prevê a prescripción breve e a larga[2].
 
Entretanto, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 surgiram desdobramentos destas duas espécies clássicas advindas do texto constitucional baseadas nos princípios de função social da propriedade e de reforma agrária. Desta forma, passaram a integrar o rol de espécies o usucapião especial urbano e o usucapião especial rural ou agrária.
 
Leis posteriores disciplinaram a matéria, especificando ainda mais os tipos de usucapião, como o Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01 – que trouxe a possibilidade de se usucapir um imóvel urbano por uma coletividade de indivíduos; o Estatuto da Terra que trouxe a mesma disposição para imóveis rurais.
 
Com a edição do Código Civil Brasileiro em 2002, em substituição ao de 1916, todas estas espécies foram trazidas para seu bojo, como mais ou menos alterações em suas formas e requisitos, nos artigos 1.238 a 1.244.
 
5.1. Do usucapião ordinário de bens imóveis.
 
O art. 1.242 do Código Civil Brasileiro trás a previsão do usucapião ordinário, cujo prazo de posse mansa e pacífica é de dez anos, aliado aos requisitos de comprovação de justo título e boa-fé.
           
Art. 1242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
 
O prazo exigido, no entanto, será reduzido para cinco anos, de acordo com o parágrafo único do art. 1.242, caso o possuidor tenha adquirido o imóvel em objeto do usucapião onerosamente, o título aquisitivo tenha sido registrado no Cartório de Imóveis, sendo depois anulado e ter fixado residência no imóvel ou nele ter realizado investimento de interesse social e econômico.
 
A exigibilidade do justo título e da boa-fé, como requisitos essenciais para a usucapião ordinária, remonta às origens do instituto. Não é necessário que seja um documento propriamente dito. Se o título apresentado é hábil para a usucapião, é matéria de prova a ser decidida no processo. Em regra, é justo título todo ato ou negócio jurídico que em tese possa transferir a propriedade, mas que não produziu efeito por estar contaminado por algum vício. 
 
A boa-fé valoriza e moralmente dignifica o usucapiente. Se deve ter como certo ser o proprietário do imóvel em que está em sua posse. Este elemento subjetivo e psicológico é que justifica a redução do tempo em comparação com o usucapião extraordinário em que é dispensado este requisito.
 
A constância da boa-fé pelo prazo exigido em lei e essencial para o usucapião ordinário, a ciência de um possível vício no negócio jurídico que originou a posse descaracteriza esta espécie e impede a aquisição do bem pelo possuidor/usucapiente.
 
Os requisitos são basicamente os mesmos da prescripción breve do art. 3.999 da lei civil argentina, entretanto, não há equivalência à previsão de redução de tempo contida no parágrafo único do art. 1.242 da codificação brasileira.
 
5.2. Do usucapião extraordinário de bens imóveis
                                                      
Mesmo havendo má-fé e inexistindo justo título que respalde a posse do usucapiente, a lei assegura a este a possibilidade de adquirir o domínio do imóvel, conforme consta do art. 1.238 do Código Civil Brasileiro:
 
Art. 1238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.     
                                  
Acompanhando os fundamento do usucapião ordinário, o tempo para a aquisição poderá ser reduzido para dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
 
Ressalte-se que por esta modalidade não há limites de quantidade, seja relativa à metragem do bem ou relativa ao número de imóveis a serem usucapidos.
 
5.3. Do usucapião Especial Urbano de bens imóveis.
 
Diferentemente das espécies clássicas de usucapião citadas anteriormente o usucapião especial urbano e o especial rural têm peculiaridades que lhes são intrínsecas, no caso, a extensão do bem e a exigência de não ser o usucapiente proprietário de outros imóveis.
 
Especificamente no usucapião especial urbano o bem objeto de usucapião não poderá ter área superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, vejamos:
 
Art. 1240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
           
Conforme citado anteriormente esta previsão foi estatuída pela Constituição Federal de 1988 e reproduzido no texto do Código Civil, com base nos princípios de uso e aproveitamento da função social da terra, por isso ainda é chamado por muitos de “usucapião urbano constitucional”. 
 
A Lei Federal 10.257 – Estatuto da Cidade –, que regulamenta a política urbana, estabelece em seu art. 12 a possibilidade de usucapião coletivo nos casos de usucapião especial urbano, visando a regulamentar a propriedade em áreas objeto de invasão coletiva ou favelas.
 
A principal característica é que podem ser sujeitos ativos da ação de usucapião os co-possuidores e associações de moradores, estas como substituto processual na defesa dos interesses dos associados.
 
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
I - o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II - os possuidores, em estado de composse;
III - como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. (destacamos)
 
Na opinião pessoal do autor deste trabalho, esta política de facilitação de aquisição de domínio em áreas urbanas favorece a proliferação de atos atentatórios ao direito de propriedade por entidades marginais e de cunho muitas vezes político, os quais beneficiados pela inércia do Estado em socorrer de imediato os interesses dos particulares proprietários de imóveis em zona urbana, promovem a insegurança jurídica dos direitos de propriedade das próprias políticas públicas de ordenamento urbano.
 
5.4.     Do usucapião especial rural ou agrário.
 
Assim como o usucapião especial urbano o usucapião especial rural tem origem constitucional e tem como principal característica a extensão do bem imóvel e o uso deste para o trabalho agrícola, daí ser também chamado de “usucapião pró-labore”:
 
Art. 1239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.   
 
Verifica-se que basicamente os mesmos requisitos aplicáveis ao usucapião especial urbano são aplicados ao rural, quanto aos sujeitos e prazos.
 
5.5.     Usucapião contra ex-cônjuge.
 
A Lei Federal 12.424/11 altera o Código Civil Brasileiro incluindo o art. 1.240-A ao seu texto, visando a possibilitar que um indivíduo que tenha adquirido imóvel com intenção de estabelecer moradia em conjunto com cônjuge ou companheiro, venha a ingressar com ação para adquirir a totalidade do bem ante a ocorrência de abandono do lar por parte deste.
           
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
 
Tal disposição traz uma exceção às causas de interrupção e suspensão de prazos relativos aos cônjuges e aplicáveis ao usucapião.
 
Ressalte-se que a vedação constante do parágrafo primeiro visa a evitar que a prática se torne um hábito e meio de obtenção de ganhos financeiros por meio da celebração de contratos sucessivos com os agentes financiadores de imóveis, pois a previsão legal se deu devido à proliferação de contratos pelo sistema “Minha casa, minha vida”, promovido e subsidiado pelo governo federal brasileiro.
 
Acerca desta espécie há pouquíssimos comentários doutrinários a respeito tendo em vista sua recente inclusão no ordenamento jurídico, no entanto, sua existência deverá acarretar uma série de discussões sob o ponto de vista de sua aplicação prática em comparação às demais espécies já previstas na legislação.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
É fato que o instituto do usucapião ao longo dos séculos serviu para otimizar a função da propriedade, premiando àquele que mesmo não sendo proprietário do bem tem o animus de sê-lo, em detrimento daquele que foi desdenhoso com sua propriedade.
 
Entretanto, em nosso entendimento, as constantes facilidades para o manejo do usucapião em virtude da supervalorização da função social da propriedade, podem causar riscos ao próprio direito de propriedade, na medida em que cada vez mais grupos organizados invadem bens com o intuito de apoderarem-se destes e, posteriormente, usucapirem, gerando para os proprietários de bens um estado constante de alerta, fato que causa instabilidade jurídica e social.
 
Com a redução dos prazos necessários ao manejo do instituto, os adquirentes de bens imóveis para fins de investimento e especulação – atividades não ilícitas e intrínsecas ao sistema capitalista – têm um aumento de despesas consideráveis para regular manutenção de sua posse e propriedade.
 
Tais custos elevam os preços dos imóveis, gerando uma distorção na função social da propriedade, pois com o encarecimento surge ou acentua-se o déficit habitacional com a dificuldade da aquisição própria de bens imóveis sem os subsídios e programas governamentais assistencialistas.
 
Desta forma, apesar de sua longevidade o instituto deve continuar sendo discutido e aperfeiçoado, evitando possíveis distorções de seus objetivos primordiais.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
Argentina, 2010, Código civil universitário – 8.ed. – Buenos Aires: Abeledo Perrot.
Brasil, 2010,             Códigos civil; comercial; processo civil e constituição federal/ obra  coletiva da editora saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Marcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Cépedes. – 6.ed. – São Paulo: Saraiva.
Diniz, Maria Helena, 2008, Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 23. ed. - São Paulo: Saraiva.
Gatti, Edmundo, Teoría general de los derechos reales, - Buenos Aires: Abeledo- Perrot.
Gomes, Orlando, 1978, Direitos reais, 6ª ed. – Rio de Janeiro: Forense.
Miranda, Pontes de, 1983, Tratado de direito privado, t. XI, - São Paulo: RT.
Monteiro, Washington de Barros, 2007,            Curso de direito civil, v.3: direito das coisas – 38.ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. – São Paulo: Saraiva.
Papaño, Viper, Dillon, Cause, 2011, Manual de derechos reales, 1ª reimpresión, - Buenos Aires:  Astrea
Pereira, Caio Mário da Silva, 2001, Instituições de direito civil, - Rio de Janeiro: Forense.
Rodrigues, Silvio, 2003, Direito civil: direito das coisas, v.5 – 28.ed. rev. atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406 de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva.
Venosa, Sílvio de Salvo, 2007, Direito civil: direitos reais – 7.ed. – São Paulo: Atlas.
Wald, Arnoldo, 2009, Direito civil: direito das coisas, v.4 – 12.ed. reformada – São Paulo:  Saraiva.

 


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