Direito Bancário
Startups: Sociedade em conta de participação como alternativa para investimentos.
Autor: Francisco Igor Fonseca de Andrade
RESUMO
A problemática da insegurança jurídica para investidores no Brasil traz a necessidade de estudo e desenvolvimento de meios jurídicos alternativos para instrumentalizar investimentos em empresas que estão em estágios iniciais de atividade, mas que demonstram grande potencial lucrativo, as startups. Investidores buscam segurança, não só na espera do retorno financeiro do capital investido, mas que não se perda mais do que foi investido. Nesse contexto, o trabalho traz apontamentos doutrinários e legais acerca da viabilidade da sociedade em conta de participação como instrumento eficaz de atração de investidores-anjos para as startups. A limitação de responsabilidade do sócio participante/investidor e a própria natureza oculta da sociedade perante terceiros facilitam a operação, evitando os riscos extraordinários da atividade.
Palavras-Chave: Investimento. Startups. Sociedade. Segurança Jurídica.
1. INTRODUÇÃO: O INVESTIMENTO EM STARTUPS E A REALIDADE BRASILEIRA.
Com o advento de incentivos à iniciativa e ao empreendedorismo verificado nos últimos anos presenciamos o surgimento de inúmeras empresas com potencial para o sucesso devido à inovação de seus produtos e serviços, especialmente em áreas ligadas à informática e comércio eletrônico, tais empreendimentos são mundialmente conhecidos como startups.
Em outros países, notadamente nos Estados Unidos da América e na Europa, onde o conceito e a dinâmica de investimentos nesse tipo de empresa já se encontram amadurecidos o sistema funciona de forma eficaz e consiste basicamente na existência da figura de um investidor – ou grupo de investidores – dispostos a arriscar capital e promover auxílio intelectual por meio de troca de experiências e conhecimento de mercado adquiridos no comando de outras empresas de sucesso. Em virtude do apoio e a aconselhamento às empresas e empreendedores em estágio inicial estes investidores foram alcunhados de Investidores-anjos.
Não obstante a dedicação a esta prática possa configurar ato de abnegação e apreço ao empreendedorismo visando ao cumprimento de um pretenso papel social de difusão de conhecimento para o fomento da iniciativa empresarial e dinamicidade da economia, não se pode olvidar que esta espécie de investidor é o que se dispõe a ser, um investidor.
Partindo de tal premissa, é obvio que o Investidor-anjo espera que o capital financeiro e intelectual concentrados na startup gere frutos, ou seja, que haja um retorno substancial do seu investimento, quer por meio do lucro gerado pela venda de produtos ou serviços ou por meio da valorização do preço da própria empresa no mercado.
Todavia, ao contrário dos centros mais desenvolvidos, no Brasil os investidores esbarram em uma série de problemas e entraves que dificultam ou, em última análise, desestimulam os investimentos diretos em empresas embrionárias, em decorrência da insegurança jurídica provocada pela falta de proteção e limitação de responsabilidades em relação à atuação da startup.
Deve-se levar em conta que a atividade empresarial é, por sua própria natureza, um empreendimento de risco. O empreendedor tem que ultrapassar diversos estágios até alcançar a maturidade do negócio.
A cada estágio a empresa terá que contornar diversas situações que podem pôr em risco o futuro da atividade, situações estas que vão desde a falta de capital inicial à falta de um bom plano de negócios, passando por problemas gerenciais e a burocracia dos órgãos públicos, daí a alta taxa de insucessos refletidos na extrema mortalidade de empresas nos primeiros anos de existência.
É inegável que nos estágios iniciais de existência das startups – como as demais empresas – se concentra a maior necessidade de investimentos, que deverão vir dos próprios sócios-fundadores ou de investidores externos. Entretanto, tratando-se de investimentos exógenos o investidor se depara com vários questionamentos acerca da segurança jurídica e econômica de seus investimentos.
Obviamente não há – e nem poderia haver – garantias para o retorno financeiro do capital aplicado em startups, uma vez que se trata de investimento de risco. Neste ponto nada deveria diferir este tipo de investimento dos demais existentes no mercado, nos quais o investidor aplica capital e aguarda o retorno vislumbrado. Mesmo na ocorrência de fatores econômicos indesejados e que ponham em risco o esperado retorno, o máximo que poderia acontecer seria a perda total dos valores investidos pelo aplicador, nada mais.
Ocorre que o investimento em empresas se dá, em regra, pela aquisição de participação societária nas mesmas, ou seja, o investidor adquire cotas ou ações de sociedades empresárias, tornando-se, consequentemente, sócio no empreendimento.
Porém, na realidade brasileira este meio de investimento traz riscos adicionais ao investidor, uma vez que tornar-se sócio de uma empresa poderá implicar um cabedal de responsabilidades indesejáveis e, por vezes, inesperadas a quem se dispõe à empreitada.
2. A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO E A ONEROSIDADE AOS RISCOS DO EMPREENDIMENTO.
A limitação de responsabilidade patrimonial do sócio em relação às dívidas contraídas pela sociedade no exercício da atividade empresária decorre do Princípio da Autonomia da empresa, pelo qual a sociedade empresária tem existência, personalidade e patrimônio distintos de seus sócios. Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2014, v.1. p. 80) “a principal implicação deste princípio é a impossibilidade de se cobrar, em regra, dos sócios, uma obrigação que não é deles, mas de outra pessoa, a sociedade” e complementa salientando que pelo princípio da autonomia patrimonial, considera-se a sociedade empresária, por ser pessoa jurídica, um sujeito de direito diferente dos sócios que a compõem. Entre outras consequências, este princípio implica que a responsabilização pelas obrigações sociais cabe à sociedade, e não aos sócios. Apenas depois de executados os bens da sociedade e mesmo assim observando-se eventuais limitações impostas por lei, os credores podem pretender a responsabilização dos sócios. (2014, p. 82)
Ainda sobre a diferenciação entre as responsabilidades limitada e ilimitada Marcelo M. Bertoldi (2013, p. 189) aponta que quando se fala em limitação de responsabilidade, faz-se referência à possibilidade ou não de os sócios virem a responder com seus próprios bens pelas dívidas da sociedade. Em se tratando de responsabilidade limitada, o limite está relacionado com o investimento ou com a promessa de investimento feito na própria sociedade. Se a responsabilidade for ilimitada, a responsabilidade do sócio não encontra referido limite.
Ocorre que, além das hipóteses disciplinadas pela própria legislação empresarial, há uma tendência consolidada por leis extravagantes e pela jurisprudência à relativização do Princípio da Autonomia, pela qual os sócios seriam considerados responsáveis por determinados passivos da pessoa jurídica. Tais passivos seriam decorrentes de obrigações alheias às relações comerciais (COELHO, 2014).
Essa relativização, infelizmente, tem potencializado a insegurança jurídica com o consequente aumento do receio em investir diretamente em empresas, em especial as startups, pelo medo de ter seu patrimônio pessoal – seja pessoa física ou jurídica – atingido em decorrência de inadimplência de obrigações assumidas pela sociedade receptora de investimentos.
Nesse sentido destacam-se, dentre outras, as normas relativas às obrigações tributárias e trabalhistas.
Em relação ao direito tributário a responsabilização do sócio se dá, basicamente, em decorrência do disposto nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional. Em ambos os casos o sócio cotista ou acionista não seria responsável solidário pelo pagamento de obrigações tributárias, salvo se for gestor e agir de encontro ou em excesso de poderes aos atos constitutivos e a lei, ou se agir com omissão nos casos em que tenha o dever de fiscalizar.
É neste ponto que o Fisco se apega para imputar responsabilidade ao sócio, uma vez que é um direito-dever deste a fiscalização dos atos da sociedade e de seus gestores e, portanto, na falta de cumprimento das obrigações por parte da sociedade, os bens do sócio poderão vir a ser alvo constrição para o pagamento de dívidas sociais.
O ímpeto do fisco vem sendo freado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que firmou entendimento de que o sócio que não exerça função gerencial e não contribuiu para o inadimplemento ou descumprimento de obrigação tributária não pode ser responsabilizado, sob pena de ofensa aos princípios básicos do Direito Empresarial e inibir a iniciativa privada.
Outro grande risco é a insegurança trazida pelas normas trabalhistas e a interpretação e aplicação equivocada dos princípios que regem a relação entre o empregador e empregado.
Sob o pretexto ou justificativa de proteção ao direito dos trabalhadores os magistrados trabalhistas promovem, indiscriminadamente, a constrição de bens dos sócios, inicialmente por meio de penhora, posteriormente pela própria expropriação, visando ao pagamento de débitos trabalhistas de responsabilidade da sociedade empresária.
O argumento principal para tal absurdo é que o sócio, independentemente de agir com dolo ou culpa, é responsável solidário pela quitação de verbas trabalhistas em razão da assunção dos riscos do empreendimento, mesmo que, como dito, não tenha tido qualquer ingerência nos atos ou omissões que tenham dado ensejo aos débitos; tudo em virtude da natureza alimentar dos créditos e da pretensa vulnerabilidade do trabalhador ante ao empregador.
Tal pensamento, no entanto, onera o risco do investimento afugentando possíveis interessados em financiar a empresa nos anos iniciais.
Dessa forma, uma das alternativas possíveis para se tentar diminuir ou eliminar a onerosidade do risco é a utilização do contrato de Sociedade em Conta de Participação, um tipo societário que teve uso pouco difundido nas últimas décadas, sendo considerada, dentre outras, um tipo societário menor (COELHO, 2014, v.2, p. 509), mas que se ajusta perfeitamente às necessidades de investidores-anjos e startups.
3. A SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO E SUAS VANTAGENS COMO MEIO DE INVESTIMENTOS EM STARTUPS.
A Sociedade em Conta de Participação está disciplinada nos artigos 991 a 996, do Código Civil, e como descreve Marcelo M. Bertoldi trata-se de sociedade sem personalidade jurídica própria, a sociedade em conta de participação se caracteriza por um contrato, não necessariamente escrito, em que duas ou mais pessoas acordam em explorar um mesmo empreendimento empresarial em proveito comum, sob o nome e responsabilidade de um ou alguns dos sócios, a quem cabe a administração da sociedade.”(2013, p. 196)
Em virtude da falta de personificação e da desnecessidade de contrato formal Ricardo Negrão (2011, v.1, p. 337) argumenta [...] que a sociedade em conta de participação não passava de mero contrato de parceria, no qual o contratante financiador não assume riscos ou obrigações perante terceiros e pode exigir do financiado o retorno do capital empregado para um ou para um número variado de negócios, acrescido de lucros.
Nesse sentido, segundo Fabio Ulhoa Coelho (2014, v.2, p.513), “a conta de participação, a rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador, impropriamente, denominou sociedade.”
Entendemos, entretanto, que a discussão acerca da natureza jurídica do contrato de sociedade em conta de participação está superada, uma vez que o legislador optou por trata-lo como um contrato de sociedade e, consequentemente, enquadrar este tipo de sociedade como sendo um tipo societário próprio, em vez de classifica-lo como um simples contrato de participação; mesmo que a sociedade tenha características deste.
Na sociedade em conta de participação existem duas classes ou categorias de sócio: o sócio ostensivo e o sócio participante.
O sócio ostensivo – como o próprio nome exprime – é aquele que figurará como parte em todos os atos praticados pela sociedade, ou seja, ele – pessoa física ou jurídica – negociará em nome próprio, ficando pessoal e ilimitadamente responsável perante terceiros pelas obrigações assumidas.
O sócio participante, por sua vez, somente se obriga para com o sócio ostensivo nos termos e limites do contrato, em regra, comprometendo-se a aportar capital na empreitada e aguardar o retorno do investimento nas bases pactuadas.
Ressalte-se que para terceiros o sócio participante não aparece, daí o motivo de ter recebido a nomenclatura de “sócio oculto” na antiga disciplina pelo Código Comercial. Logo, “os agentes econômicos que entabulam negociações com o sócio ostensivo não precisam saber, necessariamente, que a atividade em questão é explorada sob a forma de uma conta de participação.”(COELHO, 2014, v.2. 513)
Essa ocultação do sócio participante e, por consequência, da própria sociedade não significa que ela será ilícita ou terá fins fraudulentos, mas que a sua existência não interessa ou não precisa ser conhecida pelo público (TOMAZETTE, 2014).
A sociedade em conta de participação é oculta, mas não é necessariamente secreta.
No mundo dos negócios, por vezes, o anonimato é essencial para certas operações, notadamente nas áreas de tecnologia, onde são abundantes e se concentram as startups, daí a vantagem de o investidor-anjo se por como sócio participante (oculto), não assumindo riscos perante terceiros, seja por associação de imagem ou pelo ônus do risco financeiro propriamente dito.
Na lição de Marlon Tomazette (2014, v.1, p. 301), a limitação extrema de riscos e a não-vinculação do sócio participante é que tornam a sociedade em conta de participação uma forma societária extremamente interessante, sobretudo como uma forma de captação de recursos. Outrossim, o sigilo que tal tipo de sociedade permite é extremamente interessante para determinados negócios. Alem do que, a dispensa de maiores formalidades incentiva a constituição de tais tipos de sociedade.
Outra característica de investidor-anjo em startups que casa com a de sócio participante na sociedade em conta de participação é que o investidor age, em geral, caso de se optar pela sociedade em conta de participação o sócio participante pode, como dito, aconselhar e fiscalizar os ato do sócio ostensivo, mas não pode, em nenhuma hipótese, ter ingerência nas atividades praticadas por este, sob pena de tornar-se responsável solidário, passando a ter responsabilidade ilimitada em conjunto com a startup, pelos possíveis danos a terceiros.
Uma vantagem adicional que o investidor possui por essa via é que, caso ocorra a falência da startup, o valor investido poderá ser habilitado como crédito quirografário no processo falimentar, ou seja, o investidor, neste caso, seria tratado como credor e não como sócio propriamente dito do empreendimento, uma vez que quem está falindo é o sócio e não a sociedade, que não poderia falir por suas características e por não possuir personalidade jurídica própria.
Um aspecto importante que deve ser ressaltado é que, por mais que a legislação não requeira maiores formalismos para a constituição da sociedade – podendo o contrato ser feito de forma verbal –, é óbvio que não se deve achar que a sociedade por isso deva ser simplória.
Ao contrário, em decorrência das próprias características, quanto mais especificado, complexo e completo for o contrato, mais seguro para as partes ele será.
Mesmo não sendo exigido é aconselhável que este tipo anômalo de sociedade seja criado mediante instrumento escrito, podendo o contrato ser devidamente arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis para que não seja confundida com uma sociedade em comum, o que acabaria gerando a responsabilização ilimitada de todos os sócios pelas dívidas assumidas em benefício da sociedade, inclusive do sócio oculto. (BERTOLDI, 2013, p. 197)
Logo, é de extrema importância a assessoria de profissional advogado especializado na confecção de tais instrumentos, visando ao resguardo das partes contratantes e a correta estipulação dos direitos e obrigações recíprocos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Opresente ensaio não teve como objeto o exaurimento do tema acerca das vantagens da adoção da sociedade em conta de participação como forma de instrumentalizar investimentos limitando os riscos extraordinários do investidor, no caso, o sócio participante, propiciando o fomento da atividade empresária em seguimentos de alto risco de mortalidade de empresas.
No entanto, pelos pontos abordados, fica claro que a utilização dessa ferramenta societária traz benefícios inegáveis aos sócios, na medida em que limita a responsabilidade e visibilidade do investidor perante terceiros, principalmente em situações nas quais não há participação direta ou controle das atividades pelo sócio participante que, de outras formas, poderia ter seu patrimônio pessoal atingido por dívidas sociais.
Sem sombra de dúvida, o amadurecimento das relações entre investidores no Brasil, com a delimitação clara e ordinária das responsabilidades, sem as surpresas provocadas pela sanha intervencionista do Estado, a insegurança jurídica do excesso de leis e interpretações destas pelo Poder Judiciário, propiciará maior fluxo de capital disponível para busca de inovação e o desenvolvimento econômico e lucros que vêm a reboque.
5. BIBLIOGRAFIA
BERTOLDI, Marcelo M., Curso avançado de direito comercial – 7.ed. rev. e atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
BRASIL, Código 4 em 1 Saraiva: civil, comercial, processo civil e constituição federal, obra coletiva de autoria da editora saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspades e Juliana Nicoletti. – 10. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
COELHO, Fabio Ulhoa, Curso de direito comercial, volume 1, direito de empresa – 18. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
_____. _____. volume 2, direito de empresa – 18. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.
NEGRÃO, Ricardo, Manual de direito comercial e de empresa, volume 1 – 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
SEBRAE, Serviço Brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas, estudo mapeia sobrevivência das empresas no Brasil
TOMAZETTE, Marlon, Curso de direito empresarial: teoria geral do direito societário, volume 1 – 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2014.